Penso sempre na analogia entre a poesia e a clínica psicológica. A palavra como instrumento de costura para os retalhos de pensamentos e sentimentos que nos atravessam no sofrimento e na alegria. A palavra que tenta articular a dificuldade que temos em contar a nossa própria história, que fala nas repetições despercebidas, que pode desconstruir e reconstruir o que parecia ideal. Barthes tem um livro cujo título — O rumor da língua— sugere um som de uma fala baixinha, quase um sussurro. Há um trecho desse livro que diz que a palavra falada é irreversível, por conta da sua fatalidade. Isso porque é impossível se retomar a palavra: uma vez dita, seu efeito não pode ser anulado, apagado. Não se passa borracha na fala. Ao tentarmos consertar algo que foi dito, é necessário se acrescentar ainda mais palavras. É isso que me impulsiona para a arte da escuta: a compreensão de que as palavras podem ser fatais, poéticas, libertadoras, acolhedoras. Que todas as palavras são sempre possíveis para quem está disposto a escutá-las.